10.19.2010

Um Mundo Baseado na Injustiça

Um Mundo Baseado na Injustiça

Introdução: Este é um tema que até os políticos mais bem intencionados evitam a todo o custo abordar porque não lhes dá votos, mesmo que prometam este mundo e mais alguma coisa do outro que não conhecemos.
No dia 25 de Novembro, as Florinhas do Vouga, prestigiada IPSS de Aveiro achou pertinente promover um encontro subordinado ao tema "Sem Abrigo Opção ou imposição" âmbito do seu 70º. Aniversário. Parabéns Padre João Gonçalves pela inciativa.
Não é minha pretensão "atacar" as razões que motivaram este encontro, bem pelo contrário, entendo até que deviam ser promovidas mais vezes, convidando para o efeito oradores mais conceituados do que as senhoras que apareceram na foto que o Diário de Aveiro revelou na edição de 26/11/2010, página 7.


Com um painel de oradoras desta natureza, independemente do padrão universitário de cada uma, de certeza que nada vai ser feito de concreto no terreno a favor dos sem abrigo, que cada vez mais vão deambulando pelas ruas desta linda cidade, tudo vai ficar pelas boas intenções, a não ser que o Padre João Gonçalves arregace as mangas e meta mãos à obra, para que a obra apareça feita em nome de mais estes deserdados da sorte.
Não acredito que a Segurança Social de Aveiro se decida investir nesta área, porque na visão da sua representante máxima, trata-se de duma causa socialmente perdida. Porém esquece-se que os agora classificados sem abrigo, contribuem para manter muitos posto de trabalho de assistentes sociais que nem á rua vão estabelecer contacto com esta infeliz realidade.
Sacam-se por ai umas fotos meias escondidas na rua, ou pesquisa-se qualquer arquivo já bafiento nas prateleiras do esquecimento, e já está o relatório psicossocial elaborado, com as alegações finais das Técnicas Superiores, de que as situações identificadas até não são assim tão preocupantes quanto a imprensa faz crer, ou outros intervenientes preocupados com as questões humanas e sociais, surgidas pelo crescimento galopante do desemprego arrastando famílias inteiras...
O tema do encontro não podia ter sido melhor: "Sem Abrigo, Opção ou imposição". Será que algum dos indivíduos abordados declarou que: "sim, sou um sem abrigo por vontade própria, adoro este estilo de vida, porque está a ficar na moda. A senhora Dra. deve vir experimentar este novo estilo de vida social. Dormir onde dormimos, beber o que bebemos, fumar o que fumamos, vestir-se como nos vestimos, ir comer onde vamos comer, tomar banho quando se é possível tomar, enfim, um sem número de opções pessoas. Venha?"Duvido que algum sem abrigo tenha a ousadia de formular um convite desta natureza, pois a sua humildade social fala mais alto. Dentro de dias vou ao encontro dos sem abrigo para recolher as suas opiniões pessoais, divulgando-as posteriormente neste espaço.
Tocamos um tema altamente perigoso. Quem será capaz de erguer a voz para defender a justiça sem ser acoimado de demagogo ou comunista? Se até os próprios Papas têm sofrido esta calúnia.
Actualmente a justiça a nível mundial está de rastos. O mundo inteiro está baseado na injustiça. E é preciso socorremo-nos das palavras do Concílio:
- "Jamais o género humano teve à sua disposição tantas riquezas, tantas possibilidades, tanto poder económico. E, todavia, uma grande parte da humanidade sofre de fome e miséria extrema sendo até incontável o número de analfabetos."
Assim dito, numa frase, parece que este espinho infernal não se crava na alma. E seria preciso trazer aqui um documento tráfico do nosso tempo, com as suas feridas sociais que estão clamando justiça ao céu.
Dou a última estatística da informação da Organização para a Agricultura e alimentação das Nações Unidas.
Uma imagem que devia envergonhar a todos
Dez milhões de pessoas alimentam-se insuficientemente e passam verdadeiramente fome... Este número de esfomeados cresce diariamente em 190.000.
Mas os números são frios, não deixam vislumbrar o clamor agonizante desses milhões de irmãos nossos. Impressiona mais ver morrer de fome uma criança do que ler e conhecer o número anual dos que morrem de fome: 38 milhões morrem de fome por ano.
Nós os que comemos, que jamais passámos fome... teremos direito de gritar a favor da justiça?
Pedir perdão é OBRIGATÓRIO. Todos trazemos em nossas mãos sangue de inocentes. Nós, os que nunca sentimos claramente fome, somos responsáveis, de alguma maneira, pelos que morrem de fome todos os dias, a todo o momento.
Se tomamos a sério a nossa fraternidade universal, eu creio que é incompatível tanta injustiça com os nossos estômagos saciados.
E a injustiça não se reduz à fome, é mais ampla, é total desprezo pela pessoa humana, que afinal somos todos nós...
Não conheces o mundo? Não? Abre bem os olhos e respira esta exalação de injustiça.
Há muitos séculos disse Platão: " Eu declaro que a Justiça não é outra coisa que a convivência do mais forte".
Que sarcasmo! Isto continua a ser verdade e é terrível. Quando um homem é clarividente e o compreende, começa a viver uma nova existência. Eu penso que há duas classes de pessoas: as que se apercebem da injustiça imperante no mundo e lutam a favor da Justiça; e os inconscientes, desfrutadores da honra, arrivistas que não sentem qualquer outra aspiração além da de continuar flutuando.
Duas classes de homens que Cristo classificou nas Suas Bem-aventuranças:
-"Felizes os que têm fome e sede de Justiça. Desgraçados os que não têm fome e sede de Justiça."
Escuta o ranger da engrenagem do mundo que continua a dar voltas e em cada volta vão morrendo milhões de homens esmagados pela injustiça.
O mais terrível da injustiça não é a fome, nem a incultura, nem os bairros da lata, nem a emigração... é o esmagar-se a pessoa, é roubarem-lhe os seus direitos mais elementares e escravizarem-se com novas formas de escravidão social e psíquica.
E isto é ainda alarmante, pois, no nosso tempo, e cada vez mais, já penetrou a impor-se a persuasão de que todos os homens, em razão da dignidade da sua natureza, são iguais entre si.
Cresce a consciência da excelsa dignidade própria da pessoa humana, que está acima de todas as coisas e os seus direitos e deveres são universais e invioláveis.
Este é o ponto mais importante sempre que se fala da justiça. Em toda a injustiça há um esmagar da personalidade e é o que mais nos deve fazer vibrar.
Alguns hipócritas chamam docilidade ao servilismo. E é rebelde todo aquele que exige os seus direitos inalienáveis tanto de homem como de cristão.
Humildade! Humildade! Quantas escravidões se têm cometido em teu nome! Jamais um "escravo" foi humilde!
Em toda a injustiça há sempre mais gravidade pelo que se rouba à personalidade do que pelo que falta de bens materiais.
No tanque da injustiça há sempre mais gravidade pelo que se rouba à personalidade do que pelo que falta de bens materiais.
O tanque da injustiça começou a rodar por ai, junto do Paraíso, quando um homem matou por inveja o seu irmão. E continuam a morrer...
Egoísmo cego e também idiotice. Há muitos que não vêem para além do círculo estreito do seu ambiente, que desgraçadamente foi burguês. Necessitamos de abrir os olhos e ver essa imensa procissão de homens alienados a quem estamos roubando o tesouro mais sublime que possuem: a dignidade de pessoa.
É da mais elementar justiça recordar aqui um pensamento do reverendo Dr. Luther King: "Dizei que eu era o tambor da justiça. Eu era tambor da rectidão."

* Joaquim M. C. Carlos
NB: este artigo foi publicado no "O Comércio do Porto" e no Jornal "Notícias de Vagos" do qual fui seu propriatário e Director, datado de 15 a 31 de Dezembro de 1994.

Apesar das vicissitudes da vida, ainda vale a pena apreciar a beleza de cidade de Aveiro

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